(Palestra realizada por Fernanda dos Santos Oliveira e Rita Daniela Bruni Nunes no CAEPSY de Gravataí, em 2006)
“Este é um tema que envolve sentimentos e desejos e, portanto, não pode ser abordado só com explicações sobre o funcionamento do aparelho reprodutor e palestras médicas. A orientação sexual deve ser feita com afeto”. (Antônio Carlos Egypto, psicólogo, coordenador do Grupo de Trabalho e pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS) em São Paulo)
SEXUALIDADE NA INFÂNCIA
Um dos maiores legados deixados por Freud diz respeito à descoberta da sexualidade na infância. Sem querer entrar em uma discussão quanto à origem desta, porém segundo uma linha psicanalítica, fixemo-nos apenas na sua influência sobre desenvolvimento psíquico e social do indivíduo.Tordjman (apud Charbonneau,1979, pg 226) refere que “(...)o primeiro olhar da criança dirige-se para o meio familial. Nesses primeiros anos, de importância capital, a criança aprende a dar e a receber, a amar e a odiar”.
Pensamos na relação mãe-filho como primeira fonte da sexualidade, pois a mãe é o primeiro sujeito com que a criança se depara na vida, sendo sua fonte provedora inicial. A família constitui assim o início de todo o processo de socialização pelo qual passa o sujeito. De outra parte, o contato posterior que o indivíduo fará com os diversos grupos sociais, incluindo, então, a comunidade escolar e a sociedade como um todo, farão parte desse processo de educação sexual.
Jerusalinky diz que, “para que a criança tenha interesse pelo mundo, é necessário que ela mesma seja desejada por outro. Somente assim a contato com objetos e pessoas poderá ser psiquicamente prazeroso, desbordando o campo puramente biológico (1988, p.90)”. O autor faz, então, referência à identificação da criança com os pais gozozos de ter um filho como uma promessa à realização sexual futura.
Desde bebês sentimos prazer em tocar o próprio corpo e descobrir as diferentes sensações que ele nos proporciona. Fingir que as crianças não passam por esse processo é negar a realidade. O sexo é a parte da vida das pessoas (aliás, uma parte importante e muito boa) e é por essa razão que a escola e a família devem ajudar a construir nos pequenos uma visão sem mitos nem preconceitos.
Descobrir o corpo e como ele pode dar prazer (o corpo erótico) faz parte do desenvolvimento da criança. Ao perceber a sensação gostosa que o toque provoca, ela vai querer repetir o ato.
Para comprovar a presença das dúvidas sobre sexualidade desde a infância, eis exemplos de perguntas que recebemos através da Técnica da Caixa de Perguntas, durante uma oficina realizada em escola pública de Porto Alegre, com alunos de 5ª e 6ª séries:
As perguntas abordaram:
• que idade se está pronto para fazer sexo (houveram respostas de 14 à 40 anos!);
• diferenças de se estar preparado de “corpo e de mente”;
• questões ligadas ao respeito, ao prazer, à vontade ou não de ambos fazerem sexo: “se um dos dois não quiser, daí não dá, porque daí se a guria não quiser, ela não vai ter prazer e o cara também não porque daí ele também não vai ter prazer sozinho, né?”;
• sobre os “quatro tipos de sexo”: anal, vaginal, oral e masturbação: anal eles não sabiam o que era; oral houve uma resposta “Eu sei...é quando se fala com a boca...”; vaginal todos pareciam saber e o estagiário ressaltou “É só nesse que nascem os bebês”; quando abordaram a masturbação houve risadinhas e barulho na sala, alguns diziam saber, outros não; esta pergunta a menina que havia ficado de responder ficou muito envergonhada e então, depois de várias insistidas, passou-se para outra rodada.
• masturbação:uma menina trouxe respostas de senso comum próprias da comunidade: “eu sei...mas não vou falar...tá, é ‘consolo de viúvo’, nisso o estagiário escreveu a definição dela de masturbação e explanou mais à respeito;
• homossexualidade: foi-se perguntado o que era, o que eles achavam. Vieram respostas tipo: “gay, lésbica, puto, machorra, sapatona, bicha, viado...” e no quesito opinião sobre homossexualidade, uma menina, com vários colegas apoiando, falou: “ ah, normal...se eles querem ser assim...”
Se cada um observar a manifestação da sexualidade e as dúvidas sobre esta nas crianças com as quais tem contato, comprovará empiricamente (através da própria experiência) a existência desta manifestação.
SEXUALIDADE NA ADOLESCÊNCIA
Pessoas desinformadas podem sofrer as conseqüências de sua ignorância (desconhecimento de coisas importantes para sua vida). A desinformação freqüentemente aumenta a vulnerabilidade ao RISCO (de gravidez precoce, DSTs, uso indevido de drogas, etc).
Vamos conhecer melhor a fase da vida na qual estamos mais vulneráveis: a adolescência.
Existe uma diferença básica entre adolescência e puberdade.
A puberdade é caracterizada por mudanças fisiológicas.
Nos meninos há mudanças na voz até que fique mais grave; há o aparecimento de pêlos no corpo, principalmente os pubianos e nas axilas; o pomo de adão se manifesta; os ombros alargam; há um crescimento corporal acima da média, entre outras manifestações.
Nas meninas a puberdade se manifesta através da menstruação; aparecimento de pêlos pubianos e nas axilas; crescimento dos seios; formas mais arredondadas nos quadris e na cintura, entre outras coisas.
Há em ambos, aproximadamente nesta mesma fase, manifestações emocionais e comportamentais diferentes da infância. Estamos falando agora sobre a adolescência.
Para entendermos melhor esta fase do desenvolvimento humano, vamos dar uma olhada no que o autor Maurício Knobel (apud FERREIRA, 1995) fala sobre a “Síndrome Normal da Adolescência”.
Ele chama de “Síndrome” porque síndrome é um conjunto de sintomas. Chama “Normal” porque a adolescência é caracterizada por comportamentos típicos desta etapa da vida.
A adolescência se revela através da instabilidade emocional, alternando períodos de audácia e timidez, introversão e extroversão, desinteresse e urgência e, paralelamente, por conflitos afetivos, crises religiosas, ascetismo, homossexualidade ocasional e condutas dirigidas para a heterossexualidade. Este conjunto de sintomas foi definido por Knobel de “Síndrome Normal da Adolescência”.
As características dos sintomas da “Síndrome”, segundo este autor, são:
1. Busca de si mesmo e identidade
Ocorrem mudanças pulsionais a nível quantitativo; confusão; sentimento de despersonalização conseqüente das mudanças desta fase; aumento da ansiedade e da angústia; atuação no ambiente; utilização da projeção (projeta seus conflitos internos no meio externo. Ex.: brigas com pais e irmãos).
2. Tendência grupal
O grupo passa a assumir o papel de “regulador”; antes este papel era dos pais. Na busca da identidade, o adolescente desloca o sentimento de dependência dos pais para o grupo de companheiros, onde todos se identificam com cada um. Neste momento, o jovem pertence mais ao grupo de iguais do que à família. Revela a aceitação das regras do grupo em relação à vestimenta, moda, costumes e preferências de todos os tipos.
Pela atuação do grupo o jovem se opõe aos pais e consegue estabelecer uma identidade diferente do meio familiar. Transfere para o grupo grande parte da dependência que tinha da família. Deste modo, o grupo constitui o passo intermediário no mundo externo, para alcançar a individuação adulta. O grupo ajuda o indivíduo a enfrentar as dificuldades que consistem em deixar os atributos infantis e assumir as obrigações adultas, para as quais não está ainda preparado.
Quando os pais ainda desempenham um papel muito importante na vida do jovem e ele quer reafirmar sua independência, procura um líder no grupo, ao qual passa a submeter-se, ou então ele mesmo assume a liderança grupal para poder exercer o papel do pai ou da mãe.
Segundo Knobel, depois de passar pela experiência grupal, o indivíduo poderá começar a separar-se da turma e assumir a identidade adulta.
3. Necessidade de intelectualizar e fantasiar
A intelectualização e a fantasia entram nesta fase como mecanismos de defesa para evitar o sofrimento.
4. Crises religiosas
Oscila entre a busca da religiosidade e a aversão.
5. Deslocalização temporal
O passado representa aquilo que é conhecido, o mundo infantil; o presente está sendo construído, existem muitas incertezas; no futuro estão depositadas as dúvidas e expectativas. Presença da ambivalência (ora é criança, outrora é adulto). Regressões a serviço do Ego.
6. Evolução sexual
Fase de transição do auto-erotismo, narcisismo e masturbação para a heterossexualidade, relação com o outro e realização sexual plena.
7. Atividade social reivindicatória
Como na adolescência há uma revisão de valores (Superego), há uma abertura para o mundo, onde o sujeito se torna mais crítico e reivindica por mudanças.
8. Contradições nas manifestações da conduta
Ambivalência quanto a seus desejos.
9. Separação progressiva dos pais
Fase de elaboração do luto pelos pais da infância. “Boas imagens internalizadas dos pais facilitarão aos adolescentes o exercício da genitalidade adulta e a passagem à maturidade” (FERREIRA, 1995. p. 52).
10. Constantes flutuações de humor e do estado de ânimo
O processo de estabelecimento da identidade do adolescente é acompanhado por sentimentos de ansiedade e pressão. O adolescente busca dentro de si um refúgio para se preparar para a ação. Na tentativa de elaborar os lutos pela perda dos objetos da infância, o adolescente apresenta constantemente oscilações de humor. “Toda a instabilidade e flutuações de humor se devem ao fato de não haver base cenestésica e hormonal sólida para atitudes efetivas” (FERREIRA, 1995. P. 53).
EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE
Dentre as características próprias da adolescência, algumas aumentam a probabilidade de exposição ao risco em variadas situações, como o despreparo para lidar com a sexualidade, onipotência, barreiras e preconceitos, necessidade de afirmação grupal, etc. Assim, as estratégias adotadas têm visado promover o desenvolvimento de habilidades específicas, facilitando a tomada de decisão e a resolução de problemas através, principalmente, da Educação para a Saúde.
A Educação para a Saúde se apresenta como uma área do conhecimento que pretende proporcionar mudanças de comportamentos e valores em relação à saúde, que possam ser capazes de promover, alcançar e manter um nível de saúde mais elevado, tanto em nível pessoal como coletivo. Ou seja, a Educação para a Saúde consiste em facilitar a aprendizagem de comportamentos que favoreçam a prevenção de problemas de saúde, como gravidez na adolescência, drogas, DSTs/AIDS, etc.
É nesse contexto que podem se inserir algumas práticas que atuem de forma preventiva, como por exemplo oficinas com adolescentes sobre sexualidade, planejamento familiar, prevenção de DST/AIDS e ao uso indevido de drogas.
É sempre válido lembrar que a informação é a melhor forma de prevenção, por isso o GAESH apóia e defende a inserção do tema sexualidade nas escolas, com programas de capacitação para educadores, pais e alunos.
Algumas escolas já incluíram um Programa de Educação Sexual a partir dos Temas Transversais.
O conteúdo curricular está disposto em dois grupos: áreas de conhecimento (Língua Portuguesa, História, Geografia, Matemática, Ciências Naturais, Arte, Educação Física e Língua Estrangeira) e os “temas transversais” que são: ética, saúde, cidadania, educação ambiental, orientação sexual e pluralidade cultural.
Os “temas transversais” dizem respeito a conteúdos de caráter social, que devem ser incluídos no currículo do ensino fundamental, não como área de conhecimento específica, mas como conteúdo a ser ministrado no interior das várias áreas estabelecidas multi-disciplinarmente, o que pressupõe, um conhecimento mínimo por parte do professor acerca do tema a ser inserido na disciplina que ministra, mesmo que essa não tenha tanta afinidade com o tema como outras disciplinas poderiam ter.
A IMPORTÃNCIA DA ORIENTAÇÃO SEXUAL
É importante esclarecer as dúvidas da maneira mais simples e sincera possível. Caso contrário, pode ser que as crianças cresçam mal informadas e apresentem dificuldades com sua sexualidade no futuro.
É importante diferenciar os conceitos de Orientação e Educação sexual. De acordo com o Guia de Orientação Sexual, publicação traduzida e adaptada por três ONGs (Organizações Não-Governamentais) a orientação sexual, "quando utilizada na área de educação, deriva do conceito pedagógico de Orientação Educacional, definindo-se como o processo de intervenção sistemática na área de sexualidade, realizado principalmente em escolas". Pressupõe o fornecimento de informações sobre sexualidade e a organização de um espaço de reflexões e questionamentos sobre postura, tabus, crenças e valores a respeito de relacionamentos e comportamentos sexuais. "A Orientação Sexual abrange o desenvolvimento sexual compreendido como: saúde reprodutiva, relações interpessoais, afetividade, imagem corporal, auto-estima e relações de gênero. Enfoca as dimensões fisiológicas, sociológicas, psicológicas e espirituais da sexualidade através do desenvolvimento das áreas cognitiva, afetiva e comportamental, incluindo as habilidades para a comunicação eficaz e a tomada responsável de decisões", explica o Guia.
É um processo formal e sistematizado que se propõe a preencher as lacunas de informação, erradicar tabus e preconceitos e abrir discussão sobre as emoções e valores que impedem o uso dos conhecimentos ( Suplicy et al, s.d., p.8)”. Desse modo, um trabalho de orientação sexual propicia uma visão mais ampla e profunda da sexualidade, possibilitando ao jovem um sentimento sexual mais maduro para fazer suas escolhas com base no amor, sem vergonha ou culpa, além de minimizar os riscos da gravidez indesejada e doenças.
Já a Educação Sexual, segundo o Guia, inclui todo o processo informal pelo qual aprendemos sobre a sexualidade ao longo da vida, "seja através da família, da religião, da comunidade, dos livros ou da mídia". Aponta Suplicy que a Educação sexual refere-se a esse processo informal em que todo indivíduo se encontra inserido. Dessa forma, desde a gravidez já se percebe uma função educativa mediante as expectativas dos pais com seu filho. Além disso, o contato cotidiano da criança com os pais, somado ao processo de socialização seguinte, à influência da mídia e dos grupos sociais, constituem a educação sexual, cujo processo é indefinido.
Tratar a respeito de temas tão árduos como gravidez na adolescência, dst’s e contracepção, por exemplo, podem ser tão angustiantes para um professor quanto para um aluno, podendo trazer efeitos perversos, ao invés do tema ser tratado com a devida naturalidade, o que causaria os tão esperados efeitos saudáveis.
Pais e educadores que têm maiores dificuldades e, responder às perguntas provavelmente apresentam um histórico de vida onde suas próprias curiosidades não foram saciadas.
Quando os pais ou educadores não correspondem ao saciamento da curiosidade dos jovens (crianças e adolescentes) eles vão buscar estas informações em outras fontes como livros, revistas, internet, enciclopédias, amigos da mesma idade, amigos adultos... Sendo assim, surge um ponto importante para reflexão: quando os jovens não obtêm respostas satisfatórias para questões como sexo ou drogas, por exemplo, e vão buscá-las fora de casa ou da escola, quem é que pode garantir a idoneidade destas informações, se elas são adequadas ou corretas?
Por isso se faz necessária a abertura de um espaço de discussão, utilizando o espaço das escolas e capacitando os professores para orientar os alunos e até mesmo os pais. Tudo depende da abertura das pessoas para o movimento do diálogo. Acreditem, isto pode ajudar a formar adultos felizes, saudáveis, responsáveis...
Explicações sobre o funcionamento do aparelho reprodutor
e palestras médicas
ORIENTAÇÃO SEXUAL
AFETO (pois o tema envolve sentimentos e desejos)
REFERÊNCIAS:
BEE, Helen. O Ciclo Vital. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
CHAUÍ, Marilena. Ideologia e educação. In: Educação e sociedade. São Paulo, p. 24-40. Jan/1980
FERREIRA, Berta Weil. Cotidiano do adolescente. Rio de janeiro: Vozes, 1995.
GENTILE, P. Eles querem falar de Sexo. Revista Nova Escola - Educação sexual. São Paulo: Ed. Abril, ano XXI, n° 191. p.22-29. (ver se é assim que se faz referência de revista)
OLIVEIRA, F. S.; BALARDIN, G.U. O papel social do psicólogo na comunidade. Trabalho de Conclusão de Curso. Porto Alegre: PUCRS – Faculdade de Psicologia, 2001.
OSÓRIO, Luiz Carlos. Grupos - teorias e práticas: acessando a era da grupalidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
SARRIERA, J. C. (org.). Psicologia comunitária: estudos atuais. Porto Alegre: Sulina, 2000.
ZIMERMAN, David & OSÓRIO, Luiz Carlos e cols. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
“Este é um tema que envolve sentimentos e desejos e, portanto, não pode ser abordado só com explicações sobre o funcionamento do aparelho reprodutor e palestras médicas. A orientação sexual deve ser feita com afeto”. (Antônio Carlos Egypto, psicólogo, coordenador do Grupo de Trabalho e pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS) em São Paulo)
SEXUALIDADE NA INFÂNCIA
Um dos maiores legados deixados por Freud diz respeito à descoberta da sexualidade na infância. Sem querer entrar em uma discussão quanto à origem desta, porém segundo uma linha psicanalítica, fixemo-nos apenas na sua influência sobre desenvolvimento psíquico e social do indivíduo.Tordjman (apud Charbonneau,1979, pg 226) refere que “(...)o primeiro olhar da criança dirige-se para o meio familial. Nesses primeiros anos, de importância capital, a criança aprende a dar e a receber, a amar e a odiar”.
Pensamos na relação mãe-filho como primeira fonte da sexualidade, pois a mãe é o primeiro sujeito com que a criança se depara na vida, sendo sua fonte provedora inicial. A família constitui assim o início de todo o processo de socialização pelo qual passa o sujeito. De outra parte, o contato posterior que o indivíduo fará com os diversos grupos sociais, incluindo, então, a comunidade escolar e a sociedade como um todo, farão parte desse processo de educação sexual.
Jerusalinky diz que, “para que a criança tenha interesse pelo mundo, é necessário que ela mesma seja desejada por outro. Somente assim a contato com objetos e pessoas poderá ser psiquicamente prazeroso, desbordando o campo puramente biológico (1988, p.90)”. O autor faz, então, referência à identificação da criança com os pais gozozos de ter um filho como uma promessa à realização sexual futura.
Desde bebês sentimos prazer em tocar o próprio corpo e descobrir as diferentes sensações que ele nos proporciona. Fingir que as crianças não passam por esse processo é negar a realidade. O sexo é a parte da vida das pessoas (aliás, uma parte importante e muito boa) e é por essa razão que a escola e a família devem ajudar a construir nos pequenos uma visão sem mitos nem preconceitos.
Descobrir o corpo e como ele pode dar prazer (o corpo erótico) faz parte do desenvolvimento da criança. Ao perceber a sensação gostosa que o toque provoca, ela vai querer repetir o ato.
Para comprovar a presença das dúvidas sobre sexualidade desde a infância, eis exemplos de perguntas que recebemos através da Técnica da Caixa de Perguntas, durante uma oficina realizada em escola pública de Porto Alegre, com alunos de 5ª e 6ª séries:
As perguntas abordaram:
• que idade se está pronto para fazer sexo (houveram respostas de 14 à 40 anos!);
• diferenças de se estar preparado de “corpo e de mente”;
• questões ligadas ao respeito, ao prazer, à vontade ou não de ambos fazerem sexo: “se um dos dois não quiser, daí não dá, porque daí se a guria não quiser, ela não vai ter prazer e o cara também não porque daí ele também não vai ter prazer sozinho, né?”;
• sobre os “quatro tipos de sexo”: anal, vaginal, oral e masturbação: anal eles não sabiam o que era; oral houve uma resposta “Eu sei...é quando se fala com a boca...”; vaginal todos pareciam saber e o estagiário ressaltou “É só nesse que nascem os bebês”; quando abordaram a masturbação houve risadinhas e barulho na sala, alguns diziam saber, outros não; esta pergunta a menina que havia ficado de responder ficou muito envergonhada e então, depois de várias insistidas, passou-se para outra rodada.
• masturbação:uma menina trouxe respostas de senso comum próprias da comunidade: “eu sei...mas não vou falar...tá, é ‘consolo de viúvo’, nisso o estagiário escreveu a definição dela de masturbação e explanou mais à respeito;
• homossexualidade: foi-se perguntado o que era, o que eles achavam. Vieram respostas tipo: “gay, lésbica, puto, machorra, sapatona, bicha, viado...” e no quesito opinião sobre homossexualidade, uma menina, com vários colegas apoiando, falou: “ ah, normal...se eles querem ser assim...”
Se cada um observar a manifestação da sexualidade e as dúvidas sobre esta nas crianças com as quais tem contato, comprovará empiricamente (através da própria experiência) a existência desta manifestação.
SEXUALIDADE NA ADOLESCÊNCIA
Pessoas desinformadas podem sofrer as conseqüências de sua ignorância (desconhecimento de coisas importantes para sua vida). A desinformação freqüentemente aumenta a vulnerabilidade ao RISCO (de gravidez precoce, DSTs, uso indevido de drogas, etc).
Vamos conhecer melhor a fase da vida na qual estamos mais vulneráveis: a adolescência.
Existe uma diferença básica entre adolescência e puberdade.
A puberdade é caracterizada por mudanças fisiológicas.
Nos meninos há mudanças na voz até que fique mais grave; há o aparecimento de pêlos no corpo, principalmente os pubianos e nas axilas; o pomo de adão se manifesta; os ombros alargam; há um crescimento corporal acima da média, entre outras manifestações.
Nas meninas a puberdade se manifesta através da menstruação; aparecimento de pêlos pubianos e nas axilas; crescimento dos seios; formas mais arredondadas nos quadris e na cintura, entre outras coisas.
Há em ambos, aproximadamente nesta mesma fase, manifestações emocionais e comportamentais diferentes da infância. Estamos falando agora sobre a adolescência.
Para entendermos melhor esta fase do desenvolvimento humano, vamos dar uma olhada no que o autor Maurício Knobel (apud FERREIRA, 1995) fala sobre a “Síndrome Normal da Adolescência”.
Ele chama de “Síndrome” porque síndrome é um conjunto de sintomas. Chama “Normal” porque a adolescência é caracterizada por comportamentos típicos desta etapa da vida.
A adolescência se revela através da instabilidade emocional, alternando períodos de audácia e timidez, introversão e extroversão, desinteresse e urgência e, paralelamente, por conflitos afetivos, crises religiosas, ascetismo, homossexualidade ocasional e condutas dirigidas para a heterossexualidade. Este conjunto de sintomas foi definido por Knobel de “Síndrome Normal da Adolescência”.
As características dos sintomas da “Síndrome”, segundo este autor, são:
1. Busca de si mesmo e identidade
Ocorrem mudanças pulsionais a nível quantitativo; confusão; sentimento de despersonalização conseqüente das mudanças desta fase; aumento da ansiedade e da angústia; atuação no ambiente; utilização da projeção (projeta seus conflitos internos no meio externo. Ex.: brigas com pais e irmãos).
2. Tendência grupal
O grupo passa a assumir o papel de “regulador”; antes este papel era dos pais. Na busca da identidade, o adolescente desloca o sentimento de dependência dos pais para o grupo de companheiros, onde todos se identificam com cada um. Neste momento, o jovem pertence mais ao grupo de iguais do que à família. Revela a aceitação das regras do grupo em relação à vestimenta, moda, costumes e preferências de todos os tipos.
Pela atuação do grupo o jovem se opõe aos pais e consegue estabelecer uma identidade diferente do meio familiar. Transfere para o grupo grande parte da dependência que tinha da família. Deste modo, o grupo constitui o passo intermediário no mundo externo, para alcançar a individuação adulta. O grupo ajuda o indivíduo a enfrentar as dificuldades que consistem em deixar os atributos infantis e assumir as obrigações adultas, para as quais não está ainda preparado.
Quando os pais ainda desempenham um papel muito importante na vida do jovem e ele quer reafirmar sua independência, procura um líder no grupo, ao qual passa a submeter-se, ou então ele mesmo assume a liderança grupal para poder exercer o papel do pai ou da mãe.
Segundo Knobel, depois de passar pela experiência grupal, o indivíduo poderá começar a separar-se da turma e assumir a identidade adulta.
3. Necessidade de intelectualizar e fantasiar
A intelectualização e a fantasia entram nesta fase como mecanismos de defesa para evitar o sofrimento.
4. Crises religiosas
Oscila entre a busca da religiosidade e a aversão.
5. Deslocalização temporal
O passado representa aquilo que é conhecido, o mundo infantil; o presente está sendo construído, existem muitas incertezas; no futuro estão depositadas as dúvidas e expectativas. Presença da ambivalência (ora é criança, outrora é adulto). Regressões a serviço do Ego.
6. Evolução sexual
Fase de transição do auto-erotismo, narcisismo e masturbação para a heterossexualidade, relação com o outro e realização sexual plena.
7. Atividade social reivindicatória
Como na adolescência há uma revisão de valores (Superego), há uma abertura para o mundo, onde o sujeito se torna mais crítico e reivindica por mudanças.
8. Contradições nas manifestações da conduta
Ambivalência quanto a seus desejos.
9. Separação progressiva dos pais
Fase de elaboração do luto pelos pais da infância. “Boas imagens internalizadas dos pais facilitarão aos adolescentes o exercício da genitalidade adulta e a passagem à maturidade” (FERREIRA, 1995. p. 52).
10. Constantes flutuações de humor e do estado de ânimo
O processo de estabelecimento da identidade do adolescente é acompanhado por sentimentos de ansiedade e pressão. O adolescente busca dentro de si um refúgio para se preparar para a ação. Na tentativa de elaborar os lutos pela perda dos objetos da infância, o adolescente apresenta constantemente oscilações de humor. “Toda a instabilidade e flutuações de humor se devem ao fato de não haver base cenestésica e hormonal sólida para atitudes efetivas” (FERREIRA, 1995. P. 53).
EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE
Dentre as características próprias da adolescência, algumas aumentam a probabilidade de exposição ao risco em variadas situações, como o despreparo para lidar com a sexualidade, onipotência, barreiras e preconceitos, necessidade de afirmação grupal, etc. Assim, as estratégias adotadas têm visado promover o desenvolvimento de habilidades específicas, facilitando a tomada de decisão e a resolução de problemas através, principalmente, da Educação para a Saúde.
A Educação para a Saúde se apresenta como uma área do conhecimento que pretende proporcionar mudanças de comportamentos e valores em relação à saúde, que possam ser capazes de promover, alcançar e manter um nível de saúde mais elevado, tanto em nível pessoal como coletivo. Ou seja, a Educação para a Saúde consiste em facilitar a aprendizagem de comportamentos que favoreçam a prevenção de problemas de saúde, como gravidez na adolescência, drogas, DSTs/AIDS, etc.
É nesse contexto que podem se inserir algumas práticas que atuem de forma preventiva, como por exemplo oficinas com adolescentes sobre sexualidade, planejamento familiar, prevenção de DST/AIDS e ao uso indevido de drogas.
É sempre válido lembrar que a informação é a melhor forma de prevenção, por isso o GAESH apóia e defende a inserção do tema sexualidade nas escolas, com programas de capacitação para educadores, pais e alunos.
Algumas escolas já incluíram um Programa de Educação Sexual a partir dos Temas Transversais.
O conteúdo curricular está disposto em dois grupos: áreas de conhecimento (Língua Portuguesa, História, Geografia, Matemática, Ciências Naturais, Arte, Educação Física e Língua Estrangeira) e os “temas transversais” que são: ética, saúde, cidadania, educação ambiental, orientação sexual e pluralidade cultural.
Os “temas transversais” dizem respeito a conteúdos de caráter social, que devem ser incluídos no currículo do ensino fundamental, não como área de conhecimento específica, mas como conteúdo a ser ministrado no interior das várias áreas estabelecidas multi-disciplinarmente, o que pressupõe, um conhecimento mínimo por parte do professor acerca do tema a ser inserido na disciplina que ministra, mesmo que essa não tenha tanta afinidade com o tema como outras disciplinas poderiam ter.
A IMPORTÃNCIA DA ORIENTAÇÃO SEXUAL
É importante esclarecer as dúvidas da maneira mais simples e sincera possível. Caso contrário, pode ser que as crianças cresçam mal informadas e apresentem dificuldades com sua sexualidade no futuro.
É importante diferenciar os conceitos de Orientação e Educação sexual. De acordo com o Guia de Orientação Sexual, publicação traduzida e adaptada por três ONGs (Organizações Não-Governamentais) a orientação sexual, "quando utilizada na área de educação, deriva do conceito pedagógico de Orientação Educacional, definindo-se como o processo de intervenção sistemática na área de sexualidade, realizado principalmente em escolas". Pressupõe o fornecimento de informações sobre sexualidade e a organização de um espaço de reflexões e questionamentos sobre postura, tabus, crenças e valores a respeito de relacionamentos e comportamentos sexuais. "A Orientação Sexual abrange o desenvolvimento sexual compreendido como: saúde reprodutiva, relações interpessoais, afetividade, imagem corporal, auto-estima e relações de gênero. Enfoca as dimensões fisiológicas, sociológicas, psicológicas e espirituais da sexualidade através do desenvolvimento das áreas cognitiva, afetiva e comportamental, incluindo as habilidades para a comunicação eficaz e a tomada responsável de decisões", explica o Guia.
É um processo formal e sistematizado que se propõe a preencher as lacunas de informação, erradicar tabus e preconceitos e abrir discussão sobre as emoções e valores que impedem o uso dos conhecimentos ( Suplicy et al, s.d., p.8)”. Desse modo, um trabalho de orientação sexual propicia uma visão mais ampla e profunda da sexualidade, possibilitando ao jovem um sentimento sexual mais maduro para fazer suas escolhas com base no amor, sem vergonha ou culpa, além de minimizar os riscos da gravidez indesejada e doenças.
Já a Educação Sexual, segundo o Guia, inclui todo o processo informal pelo qual aprendemos sobre a sexualidade ao longo da vida, "seja através da família, da religião, da comunidade, dos livros ou da mídia". Aponta Suplicy que a Educação sexual refere-se a esse processo informal em que todo indivíduo se encontra inserido. Dessa forma, desde a gravidez já se percebe uma função educativa mediante as expectativas dos pais com seu filho. Além disso, o contato cotidiano da criança com os pais, somado ao processo de socialização seguinte, à influência da mídia e dos grupos sociais, constituem a educação sexual, cujo processo é indefinido.
Tratar a respeito de temas tão árduos como gravidez na adolescência, dst’s e contracepção, por exemplo, podem ser tão angustiantes para um professor quanto para um aluno, podendo trazer efeitos perversos, ao invés do tema ser tratado com a devida naturalidade, o que causaria os tão esperados efeitos saudáveis.
Pais e educadores que têm maiores dificuldades e, responder às perguntas provavelmente apresentam um histórico de vida onde suas próprias curiosidades não foram saciadas.
Quando os pais ou educadores não correspondem ao saciamento da curiosidade dos jovens (crianças e adolescentes) eles vão buscar estas informações em outras fontes como livros, revistas, internet, enciclopédias, amigos da mesma idade, amigos adultos... Sendo assim, surge um ponto importante para reflexão: quando os jovens não obtêm respostas satisfatórias para questões como sexo ou drogas, por exemplo, e vão buscá-las fora de casa ou da escola, quem é que pode garantir a idoneidade destas informações, se elas são adequadas ou corretas?
Por isso se faz necessária a abertura de um espaço de discussão, utilizando o espaço das escolas e capacitando os professores para orientar os alunos e até mesmo os pais. Tudo depende da abertura das pessoas para o movimento do diálogo. Acreditem, isto pode ajudar a formar adultos felizes, saudáveis, responsáveis...
Explicações sobre o funcionamento do aparelho reprodutor
e palestras médicas
ORIENTAÇÃO SEXUAL
AFETO (pois o tema envolve sentimentos e desejos)
REFERÊNCIAS:
BEE, Helen. O Ciclo Vital. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
CHAUÍ, Marilena. Ideologia e educação. In: Educação e sociedade. São Paulo, p. 24-40. Jan/1980
FERREIRA, Berta Weil. Cotidiano do adolescente. Rio de janeiro: Vozes, 1995.
GENTILE, P. Eles querem falar de Sexo. Revista Nova Escola - Educação sexual. São Paulo: Ed. Abril, ano XXI, n° 191. p.22-29. (ver se é assim que se faz referência de revista)
OLIVEIRA, F. S.; BALARDIN, G.U. O papel social do psicólogo na comunidade. Trabalho de Conclusão de Curso. Porto Alegre: PUCRS – Faculdade de Psicologia, 2001.
OSÓRIO, Luiz Carlos. Grupos - teorias e práticas: acessando a era da grupalidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
SARRIERA, J. C. (org.). Psicologia comunitária: estudos atuais. Porto Alegre: Sulina, 2000.
ZIMERMAN, David & OSÓRIO, Luiz Carlos e cols. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
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