(Texto publicado no O ESPADIM da APM de Porto Alegre, em 2001, da época do meu estágio curricular de Psicologia Escolar)
A principal tarefa da psicologia escolar , isto é, do Serviço de Orientação e Acompanhamento Psicológico ( SOAP) na APM é o acompanhamento das turmas e dos alunos. Esse acompanhamento tem como maior objetivo o trabalho com a identidade funcional dos alunos.
No CBA ( Curso Básico de Administradores ) os alunos eram sargentos (geralmente com média de 16, 18 anos de BM) e vão se tornar tenentes (oficiais e não mais praças, como começaram sua carreira). Como tenentes vão, muitas vezes, liderar suas tropas em algumas localidades, já em outras haverão oficiais superiores (capitães, majores, etc. ). Irão, a partir de então, tornar-se gerenciadores, planejadores de estratégias, de projetos para a comunidade visando o melhor para a sociedade. Não mais sargentos, onde estavam sempre presentes na execução desses projetos, por exemplo. Essa identidade profissional deve ser trabalhada, senão há a possibilidade de se perder um bom sargento e se ganhar um mau tenente. Esse é o foco do Grupo Operativo nessas turmas de CBA.
Faz parte da tarefa da Psicologia o entendimento com os instrutores e professores da APM. O serviço de psicologia pode despertar ansiedades e resistências na população da instituição. Bleger (1984) coloca que o psicólogo deve saber que sua participação numa instituição promove ansiedades de tipos e graus diferentes e que o manejo das resistências forma parte sempre de sua tarefa. E também devemos contar com essas resistências ainda na parte ou setor da instituição que promove ou alenta sua contratação ou inclusão. O mesmo autor indica, ainda como um objetivo do psicólogo, que, além da psico-higiene, necessitamos muito da investigação, pois o movimento espontâneo de uma comunidade _ entende-se por “comunidade” a comunidade da APM _ sabe mais que todos os nossos conhecimentos atuais e que, sendo assim, o acesso de um psicólogo a uma comunidade objetiva o estudo de sua estrutura, sua organização, seus problemas, sua forma de viver, das normas que a regem, suas necessidades e a maneira de satisfazê-las. Pensa-se que, mesmo na psicologia escolar, devemos saber o que está acontecendo dentro da instituição, mas mais trabalhamos com os alunos e professores. Usando um conceito da teoria da Gestalt, os alunos e professores seriam a figura e a instituição, o fundo: isto é, a instituição é importante mas o foco são os alunos e também os instrutores.
O psicólogo escolar deve ser um agente de mudança dentro da instituição “ Escola” , conscientizando o papel de cada um. Dessa forma, trabalhamos com Grupos Operativos com alunos, para que tenham momentos quinzenais ou semanais de reflexão e discussão nos grupos à respeito de seu papel e sua instituição. A técnica de Grupos Operativos, segundo o iniciador Pichón-Rivière (apud Bleger, 1995, p55), é definida como “um conjunto de pessoas com um objetivo comum que procuram abordar trabalhando como equipe.” Sobre a identidade funcional, que é o foco dos Grupos Operativos que fazemos na APM, buscamos conversar com os alunos como sentem as dificuldades da sua profissão e tenta-se facilitar a reflexão de estratégias para abordar desadaptações ou situações momentâneas. Outras, mais profundas ou ligadas mais a uma estruturação são encaminhadas à atendimentos psicoterápicos clínicos. O que muita gente não sabe é que a psicoterapia também serve como uma forma de auto-conhecimento e , a partir do momento que o indivíduo se conhece melhor, sabe suas maiores fragilidades, sentimentos em relação à situações ou pessoas, ele administra um melhor comportamento e torna-se mais adaptado e feliz.
Nosso papel está ligado ao atendimento das turmas, alunos e professores, grupal ou individualmente, principalmente em relação a seus papéis, identidade funcional e também às suas angústias, ansiedades e dificuldades pessoais. A maioria dos alunos vêm do interior e deixa sua família durante a semana, voltando apenas nos fins-de-semana. Isso causa uma série de sentimentos tais como culpa e tristeza. Esse tipo de angústia geralmente aparece nas turmas, tanto de soldados como de tenentes.
Shertzer e Stone (apud Ferreira, 1987) sugerem que o psicólogo escolar atue com alunos como psicoterapeuta individual e de grupo e atenda consultas de docentes, pais e especialistas da Escola, atuando como consultor de saúde mental.
É importantíssimo esclarecer aos alunos o conceito de Psicologia, o que faz a Psicologia, para que serve e como podemos ajudar. Além de informar, podemos tentar mostrar que cada profissão tem seu limite e que não somos especialistas em tudo. É dever do Comandante de uma tropa saber, sentir e perceber se, por exemplo, existir alguém não está legal, perceber se há algum sintoma na pessoa e isso deve ser encaminhado por ele _ Comandante _ para tratamento especializado. O aluno tenente deve ter sensibilidade para apurar tais fatos, já que será o planejador , o gerenciador da unidade. Essa responsabilidade, de fato, vai aumentar no momento em que se formarem tenentes.
Isso tudo mexe com a onipotência que os policiais têm e desenvolvem, pois na hora de defender um civil, precisam acreditar que são bons e que vão conseguir atingir seus objetivos ( prender o ladrão e manterem-se vivos, por exemplo). Zimerman comenta que
“ a importância dos mecanismos de defesa pode ser medida pelo
fato de que a modalidade e o grau do seu emprego diante da ansiedades é que vão determinar a natureza da formação – normalidade ou patologia – das distintas estruturações psíquicas.”
( 2000: 120)
Por serem defensores do bem-estar da sociedade, os policiais correm diversos riscos se expondo a uma variedade de perigos e com isso desenvolvem e utilizam-se de defesas para conter seus medos e ansiedades. Becker (apud Morgan, 1996) relata que, quando considerados a partir de uma perspectiva da nossa morte iminente, os artefatos da cultura podem ser compreendidos como sistemas de defesas que auxiliam a criar a ilusão de que somos maiores e mais poderosos do que na realidade o somos.
A Psicologia é uma ciência que mexe com o abstrato, portanto, não trabalha como uma ferida cheia de sangue que precisa ser fechada naquele momento por um médico num pronto socorro. A Psicologia estuda o comportamento humano e também trata da dor, porém a dor psíquica, que não dói menos, no entanto vem cheia de preconceitos por não ser visível. Muitos deixam de procurar ajuda por vergonha, ou preconceito, por medo de serem taxados como loucos ou outros adjetivos afins. E estou falando em qualidade de vida: quando não estamos nos sentindo bem, emocionalmente, por que não procurarmos ajuda? Sejamos humildes: não é possível que ninguém passe nunca por algum período mais crítico, mais complicado, uma situação como separação, viuvez, adolescência de filhos, dentro outros tantos problemas que acontecem tão comumente em nossas vidas e não se sinta mais triste.
Até pode ser que seja mais necessário um posto com acompanhamento e atendimento psicológico “na rua”, entretanto, se grande parte dos alunos não sabe usar o serviço na própria Academia , não o saberão também fora dela. Precisa-se , urgentemente, desmistificar a Psicologia de uma “ciência de e para loucos” , mas sim procurar ver a sala da Psicologia ou um atendimento psicoterápico qualquer como um lugar e uma pessoa que estão ali para dar um bom suporte pessoal, que terá como provável conseqüência um “deslanchar” profissional. Afinal, é difícil encontrar um profissional que esteja bem se sua vida pessoal não está.
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